Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios; medida pode ser derrubada pelo STF

Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios; medida pode ser derrubada pelo STF

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma emenda que proíbe Marcel Van Hattem (Novo-RS) de votar — mesmo para quem ainda não foi condenado. A medida, incorporada ao PL Antifacção (PL 5582/25), altera dois artigos do Código Eleitoral e determina o cancelamento automático do título eleitoral de qualquer pessoa detida, independentemente de ter ou não sentença definitiva. O texto foi aprovado por 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção, em uma sessão tensa em Brasília. A mudança, se virar lei, rompe com 37 anos de interpretação da Constituição Federal de 1988, que garante o direito ao voto a todos os cidadãos, exceto os condenados com sentença transitada em julgado.

Um direito que existia desde 1988

Até agora, a Justiça Eleitoral brasileira sempre entendeu que a prisão provisória — aquela imposta antes do julgamento, para garantir a ordem pública ou a investigação — não tira o direito político. Em 2024, mais de 6.000 presos provisórios votaram em eleições municipais, em seções montadas dentro de cadeias, com mesários da Justiça Eleitoral e fiscalização do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A prática, embora logísticamente complexa, era vista como um pilar da democracia: ninguém é culpado até que se prove o contrário. "Se você não foi condenado, é cidadão pleno", dizia o ministro Alexandre de Moraes em 2021, ao reafirmar o entendimento do STF.

Van Hattem, porém, não concorda. "Não faz sentido o cidadão estar afastado da sociedade, mas poder decidir os rumos da política do seu município", afirmou na tribuna. Para ele, o voto exige "liberdade e autonomia de vontade" — algo que, segundo ele, "não existe dentro de uma cela". A emenda argumenta que a manutenção de seções eleitorais em presídios gera "custos elevados e riscos operacionais". Mas o que parece um argumento prático esconde um conflito mais profundo: até onde o Estado pode limitar direitos fundamentais antes mesmo da condenação?

Reação institucional: um contraponto no Rio

Enquanto a Câmara avançava, em Rio de Janeiro, o desembargador Claudio de Mello Tavares, vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), dava início ao projeto "Democracia Além das Grades". O objetivo? Garantir, nas eleições de 2026, que presos provisórios e adolescentes internados possam votar — exatamente o contrário do que a Câmara aprovou. O projeto-piloto vai escolher unidades prisionais com infraestrutura adequada, segurança e interesse dos detentos, excluindo apenas as com forte influência de facções. "É um princípio constitucional: o voto é universal", explicou Tavares. "A prisão provisória não é punição. É cautela. E a Constituição não permite que a cautela vire condenação antecipada."

Isso cria um cenário inédito: enquanto o Legislativo tenta tirar o direito, o Judiciário tenta preservá-lo. E não é só o TRE-RJ. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública e o Ministério Público já sinalizaram que vão recorrer judicialmente se a emenda for sancionada.

Obstáculos legais e políticos

Obstáculos legais e políticos

A emenda não é lei ainda. Precisa passar pelo Senado Federal, onde o texto pode ser alterado ou até engavetado. A bancada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) votou contra, e o próprio presidente já disse, em entrevista, que "não assina lei que tira direitos de quem ainda não foi julgado". O veto é considerado quase certo.

Se, por algum milagre, o texto for sancionado, a próxima batalha será no Supremo Tribunal Federal (STF). Especialistas como a professora de direito constitucional Maria Helena Diniz, da USP, afirmam que a medida "é claramente inconstitucional". "A presunção de inocência é cláusula pétrea. Não se pode retirar direitos políticos por uma medida cautelar. Isso é retrocesso jurídico, não segurança pública."

Curiosamente, o relator do projeto, Guilherme Derrite (PP-SP), elogiou publicamente o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), mas negou que o tema tenha sido politizado. A realidade, porém, é outra: a emenda foi aprovada com apoio de partidos da oposição e da base governista, mas rejeitada por PSOL, Rede e outros que defendem direitos humanos. A divisão não é apenas jurídica — é ideológica.

O que muda na prática?

Se a lei for aprovada, a Justiça Eleitoral terá de cancelar automaticamente os títulos de todos os presos provisórios — cerca de 300 mil pessoas atualmente. Em 2024, apenas 6.000 votaram. Mas a diferença é simbólica e profunda. A proibição não reduziria a criminalidade, nem melhoraria a segurança. Mas poderia silenciar uma voz política que, embora minoritária, existe. E isso, para muitos juristas, é o verdadeiro perigo.

Além disso, o cancelamento automático do título cria um risco de erro. Quantos presos provisórios foram libertados por falta de provas e descobriram, anos depois, que seu título foi cancelado e precisam recomeçar todo o processo de regularização? A burocracia pode transformar uma medida de "ordem pública" em uma violência administrativa contra os mais pobres.

Como isso afeta as eleições de 2026?

Como isso afeta as eleições de 2026?

As eleições gerais de 2026 serão o primeiro grande teste. Se o STF não barrar a lei, o TSE terá de escolher entre cumprir uma lei inconstitucional ou desobedecer ao Congresso. A tensão institucional pode ser enorme. Já há movimentos para que OAB e Defensoria entrem com ações de mandado de segurança coletivo em todos os estados. E se o STF decidir que o voto é inalienável, mesmo para presos, o Congresso terá de voltar atrás — ou enfrentar um conflito sem precedentes entre os Poderes.

Frequently Asked Questions

Por que a Constituição permite que presos provisórios votem?

A Constituição Federal de 1988 garante o voto a todos os cidadãos, exceto os condenados com sentença transitada em julgado. Isso baseia-se no princípio da presunção de inocência: ninguém é culpado antes do julgamento final. A prisão provisória é uma medida cautelar, não uma punição, e por isso não tira direitos políticos. Desde 1988, mais de 30 mil presos provisórios já votaram em eleições municipais e estaduais sem problemas.

O que acontece com os títulos de eleitor de presos provisórios agora?

Atualmente, os títulos permanecem ativos, e a Justiça Eleitoral garante o voto nas seções montadas dentro das unidades prisionais. Se a emenda for sancionada, o cancelamento será automático — sem necessidade de processo judicial. Isso significa que milhares de pessoas perderão o direito de votar sem sequer serem ouvidas, o que especialistas chamam de "violência institucional por burocracia".

A emenda pode ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal?

Sim. A maioria dos juristas acredita que o STF considerará a medida inconstitucional, pois viola a presunção de inocência, um princípio da cláusula pétrea da Constituição. Em 2021, o ministro Alexandre de Moraes já afirmou que "não há espaço para restrições de direitos políticos sem condenação definitiva". Se o projeto virar lei, ações no STF serão inevitáveis — e provavelmente bem-sucedidas.

Por que o presidente Lula pode vetar a proposta?

Lula já afirmou publicamente que não assina leis que tiram direitos de pessoas não condenadas. O veto é uma ferramenta constitucional para evitar leis que contrariem princípios fundamentais. Mesmo que o Senado aprove o texto, o presidente tem poder para rejeitá-lo, e a expectativa é que ele o faça. Isso não encerra a discussão — o Congresso pode tentar derrubar o veto, mas teria de reunir maioria absoluta, o que é improvável.

Quem se beneficia com essa proibição?

Ninguém, na prática. A proibição não reduz a criminalidade, nem melhora a segurança pública. Ela afeta uma população já marginalizada — presos provisórios, em sua maioria pobres, negros e sem acesso a bons advogados. O benefício é simbólico: satisfaz uma narrativa de "ordem e moral", mas não resolve nenhum problema real. O que se ganha é uma imagem de dureza, não justiça.

O que o projeto "Democracia Além das Grades" propõe?

O projeto, liderado pelo TRE-RJ, quer garantir o voto de presos provisórios nas eleições de 2026, em unidades com infraestrutura e segurança adequadas. Não é um privilégio — é a aplicação da Constituição. O critério é objetivo: segurança, número de interessados e ausência de lideranças de facções. O objetivo é manter o direito de quem ainda não foi condenado, sem expor mesários ou detentos a riscos desnecessários.